Direito à vida se sobrepõe ao sigilo entre doador e receptor

Fonte: Conjur
02/10/2020
Direito Civil

O direito à vida, garantido pela Constituição de 1988, se sobrepõe ao sigilo entre doador e receptor. O entendimento é do juiz Gustavo Catunda Mendes, da 1ª Vara Federal de Caraguatatuba (SP). O magistrado autorizou doação de óvulo entre irmãs para procedimento de reprodução assistida e fertilização in vitro. A decisão, em caráter liminar, foi proferida no último sábado (19/9).

Na ação, as autoras solicitaram que as resoluções 2.121/15 e 2.168/17, ambas do Conselho Federal de Medicina, fossem afastadas. Os atos normativos dispõem sobre a necessidade de anonimato entre doador e receptor de gametas. O juiz deferiu o pleito.

"Tratando-se de irmãs, com comprovado histórico médico de impossibilidade de geração de filhos por meio exclusivamente próprios, não deve prevalecer a aplicação da norma para utilização de técnicas de reprodução assistida, hipótese em que a preservação de sigilo entre doador e receptor estaria sendo priorizada em detrimento do direito à vida, que se pretende exercer a partir da reprodução assistida através da doação entre irmãs", afirma a decisão. 

O magistrado também ressaltou que "cumpre ao Estado proporcionar meios que amparem a pretensão familiar, e não oferecer óbices ou dificuldades à consecução dos procedimentos médicos, sobretudo quando recomendados por atestado médico e sob amparo em parecer psicológico". 

Uma das irmãs possui problemas de fertilidades relacionados à endometriose, condição em que a mucosa que reveste a parede interna do útero cresce fora do órgão reprodutor.

Para o juiz, apesar do zelo e da cautela das resoluções do Conselho Federal de Medicina, há no caso concreto "planejamento de reprodução familiar assistida, através da doação de óvulos entre membros da mesma família, com consentimento recíproco entre todas as pessoas envolvidas". 

Decisões semelhantes

Em maio deste ano, a juiz Marcelo Rabello Pinheiro, da 16ª Vara Federal do DF proferiu decisão semelhante. Na ocasião, o magistrado entendeu que ao instituir o sigilo sobre a identidade dos doadores de material reprodutivo, o Conselho Federal de Medicina busca harmonizar o ambiente familiar futuro e evitar conflitos judiciais a respeito da filiação biológica. Se há relação fraternal entre doador e receptor, disse, riscos de conflitos são diminuídos.

"Entendo que o acesso às técnicas de reprodução, tendo em vista os direitos garantidos constitucionalmente, devem ser garantidos e facilitados pelo Estado, e as normas restritivas devem ser analisadas sob o prisma da razoabilidade frente aos interesses envolvidos", afirma a decisão. 

Em junho de 2018, a juíza federal Rosana Ferri, da 2ª Vara Cível Federal de São Paulo entendeu o tema de modo semelhante. Na ocasião, no entanto, ela relativizou a Resolução 2.121/15. 

À época, ela considerou que embora o CFM obrigue o sigilo de doadores de gametas e embriões, a inexistência de lei sobre o tema permite que uma mulher passe pelo procedimento de fertilização in vitro a partir de óvulos doados por sua irmã. 

"Por se tratarem de irmãs, há uma maior compatibilidade fenotípica, imunológica e a máxima compatibilidade com a receptora, favorecendo o desenvolvimento do embrião e, ainda, considere-se o fato de que por possuírem laços de parentesco, tende a diminuir a possibilidade de uma disputa quanto à maternidade", afirmou a magistrada.

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