Mais de 50 dias depois de o governo federal anunciar programas de empréstimo para ajudar os donos de pequenos negócios a atravessarem a pandemia, os resultados não são bons. Sem poder abrir ou com faturamento em queda, eles não viram o dinheiro prometido.
O empresário Lucas Saldanha é dono de uma produtora de vídeo há 11 anos. Os negócios praticamente pararam com a pandemia. Há mais de um mês, ele procurou o banco para financiar a folha de pagamento, mas o dinheiro não saiu. “Com o faturamento praticamente a zero, eu tive que, infelizmente, demitir meus funcionários. Ótimos funcionários. Eu jamais gostaria de deixá-los nessa situação como estão agora”, conta.
O governo anunciou o programa no dia 27 de março. O financiamento paga até dois salários mínimos por mês para cada empregado, dinheiro que é depositado na conta do trabalhador. Juros de 3,75% para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Mas até agora o programa avançou muito pouco. Dos R$ 40 bilhões, apenas R$ 1,6 bilhão foram aplicados.
Passados 54 dias do anúncio, apenas 4% dos recursos chegaram nos pequenos negociantes, que hoje vivem uma situação muito difícil. O BNDES calcula que o dinheiro serviu para pagar os salários de um milhão de trabalhadores, mas muito mais ficaram sem assistência.
Alessandra Jordão tem duas lojas de uma franquia de depilação e procurou ajuda em vários bancos, sem sucesso. O programa exige, como contrapartida, não demitir durante o financiamento, mas cada banco pode acrescentar novas exigências. “Ainda que eu dê garantia de imóvel, eu não tenho retorno. E o retorno que eu tenho do gerente é 'as instituições estão com alta demanda. Tem que aguardar.' Só que a gente não tem tempo para aguardar”, explica.
A empresária Diana Maria de Carvalho tem um restaurante na região serrana do Rio. Afastou funcionários e manteve apenas o cozinheiro para fazer delivery. No banco, procurou ajuda com todos os programas disponíveis, mas não conseguiu saber do banco nem o motivo para o seu dinheiro não sair.
“O gerente ficou me dizendo que ia tentar e tentou realmente e não conseguiu. Hoje mesmo eu mandei uma mensagem para ele, perguntando se ele conseguiu alguma coisa, e ainda não tive resposta”, afirma.
O Ministério da Economia afirma que 77 mil empresas conseguiram aprovação dos bancos para terem acesso ao crédito. Mas, segundo o Sebrae, o Brasil tem 17 milhões de pequenos negócios. Desses, quase 7 milhões procuraram crédito no período. Mais da metade delas não conseguiu o dinheiro, e 28% estão aguardando a liberação do banco.
“Os pequenos comércios, da padaria à quitanda, isso tudo faz parte do nosso cotidiano e sem eles nós vamos ficar imperfeitos. Nós precisamos preservá-los para que, na verdade, o Brasil saia com menos desgaste do que poderia sair dessa pandemia”, avalia Carlos Melles, presidente do Sebrae.
Desde o dia 16 de março, o governo já anunciou cinco programas para ajudar pequenos negócios durante a pandemia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a determinação do presidente é que não vão faltar recursos para defender vidas, para a saúde e para os empregos, e que os pequenos negócios estariam protegidos para enfrentar a crise.
Ao anunciar o programa de financiamento da folha de pagamento, o presidente Jair Bolsonaro prometeu manter os empregos: "Entre as medidas já anunciadas pelo governo, de modo que nós possamos atender às possíveis vítimas do coronavírus, também uma preocupação em manter os empregos. Devemos, no máximo possível, diminuir a altura dessas duas ondas e elas caminham simultaneamente”.
Mas os programas não aconteceram como prometido. Muitas empresas que enfrentam queda do faturamento não tem conseguido cumprir as obrigações de curto prazo, como é o caso de Diana: “Restaurante não tem caixa para mais de 15 dias para se manter aberto. Então, na verdade, eu queria ter algum caixa, algum suporte”.
O Ministério da Economia afirma que o número de empresas que tiveram os empréstimos recusados no programa para financiar a folha é pequeno, mas não revelou o número. “Esse dinheiro está disponível para os bancos repassarem, mas, muitas vezes, o processo de análise de crédito dos bancos, para essa operação de folhas de pagamentos, ele é muito rígido. Mas nós sabemos que a necessidade de crédito das empresas é muito maior que essa. E é por isso que nós estamos preparando - e já está aí a reta final - o lançamento de mais dois programas para capital de giro dessas empresas", diz o secretário Carlos da Costa.
O economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper, diz que o programa não levou em conta que uma grande parcela dos donos de pequenos negócios não usam os bancos para pagar empregados e falta gerenciamento ao governo: "Tem que ser uma resposta rápida e coordenada, principalmente. Está faltando esse tipo de organização nessas políticas públicas, inclusive nas políticas públicas de apoio ao empreendedor. Porque, assim, nós não temos uma política unificada, geral, pra combater a pandemia e isso gera incertezas. Esse tipo de atrito, de falta de coordenação, é fatal pro empreendedor".
A empresária Alessandra lamenta: "Dá desespero porque a gente achou que ia ficar 15, 20 dias parado. Já estamos já indo para os 60 dias parados. E dá pânico. Você não sabe o que fazer e 60 dias parado sem a previsão de quando vamos voltar. Só que as contas não esperam”.
A Federação Brasileira de Bancos afirmou que os pequenos negócios tiveram dívidas alongadas e que isso levou a um alívio financeiro imediato com carência entre 60 e 180 dias pra pagar prestações.
O Banco Central declarou que tem atuado pra manter o funcionamento adequado dos mercados e apoiar a economia real e que adotou um conjunto de medidas pra assegurar um bom nível de liquidez e fazer fluir o canal de crédito.
O BNDES afirmou que tem acesso limitado às informações dos pedidos feitos pelos donos de pequenos negócios, porque as instituições financeiras são as responsáveis por conceder ou não o crédito.